O que É Eubiose?
Continuando nossos estudos sobre Eubiose,
vamos examinar, agora, um assunto de máxima importância para a realização de
nossa tarefa de autoconstrução. Trata-se da participação mística. O que
vem a ser isto? Qual a sua finalidade? Como alcançá-la? Eis o que passaremos a
estudar.
Vimos anteriormente que o ser humano é regido por
uma Lei Universal, a Lei do Crescimento. Ora, do ponto de vista psíquico e
mental, isto significa que devemos passar de um estado de completa
inconsciência para um estado de plena consciência. A esta mutação já fizemos
referência quando mencionamos a necessidade de transformar Vida Energia em Vida
Consciência, pois este é o grande desafio da vida: conquistar a própria
Consciência.
O ser humano, antes de nascer, experimenta uma
situação de perfeita união com a natureza através de sua ligação com o
organismo materno. Em realidade, mãe e filho formam um só corpo. A criança se
sente, então, em absoluta segurança e completo conforto. Nada a perturba.
Nenhum esforço lhe é exigido. A temperatura é constante e a alimentação é
assegurada através do cordão umbilical. Tem assim a criança uma indelével
experiência de “participação” íntima com a natureza. Esta situação, entretanto,
muda bruscamente, ao nascermos. Toda a “sensação” de segurança, conforto e
união desaparece. Passamos a sentir frio ou calor, a ouvir ruídos estranhos que
nos ferem os ouvidos, a ver imagens e sombras que passam diante de nós. Temos
que respirar, digerir, etc. Enfim, tudo mudou. O ambiente, que era ameno, passa
a ser agressivo. Sentimo-nos, então, inseguros.
Esta dura experiência da vida humana está muito bem
representada pela alegoria da expulsão do Paraíso. O homem perde o paraíso da
inconsciência, da união física com a natureza, mas guarda em sua memória a
lembrança de uma vida paradisíaca, segura, tranqüila.
A partir do nascimento, o homem passa a constituir
uma unidade destacada, isolada, separada, e, por isso, se sente solitário. Ele
passa a experimentar dificuldades, a ter que resolver problemas, a necessitar
lutar para sobreviver. Descobre, enfim, que viver é difícil, que dá trabalho,
exige esforço. Vê que tudo é inseguro, mutável, impermanente. E isto é
angustiante. Para superar a solidão e a angústia, ele procura encontrar novos
elementos de ligação com a vida, que lhe restituam a serena segurança perdida.
Inúteis são os seus esforços. Cada vez mais ele se sente solitário. Por algum
tempo, a vida profissional, social e amorosa preenchem o vazio interior. Mas,
cedo ele descobre que estes elementos, embora muito importantes, não resolvem o
problema fundamental da existência, qual seja, o de sua reintegração no Todo.
Diante das dificuldades de encontrar a resposta
adequada ao problema – por ignorância, por falta de auto-educação – o Homem
tenta restabelecer sistemas e situações passados, nos quais experimentou
segurança, conforto e tranqüilidade. Ora, a maior experiência desta natureza é,
exatamente, aquela vivenciada antes do nascimento, e que ficou impressa no
nosso inconsciente. Claro, voltar àquela situação é impossível; surgem, então,
as tentativas de um retorno “simbólico” ao passado. Daí, a tendência de nos
conduzirmos como “desligados”, “ausentes”, num estado semelhante ao
sonambulismo. Daí, também, em parte, a atração pelo álcool, entorpecentes,
etc., que nos “tiram do ar”, nos deixam “sonolentos”, inconscientes, etc. Tais
atitudes, ao invés de melhorar a situação, agravam-na ainda mais, pois,
caminhar para trás, do ponto de vista psicológico, mesmo que, apenas,
simbolicamente, é um “equivalente” à morte. Por isso, o inconsciente
reage violentamente a estas tentativas de regressão, através do agravamento da
angústia. Tudo isto porque, de acordo com a universal Lei do Crescimento, ao
homem compete crescer, evoluir, e nunca retroceder, regredir. Portanto, a
angústia é um grito de alerta da vida, que deseja continuar a viver. A função
da angústia é, precisamente, a de nos informar que algo em nossas vidas não
está de acordo com a Lei Universal.
Neste ponto, convém fazer uma referência especial a
dois princípios psicológicos, da maior importância, e cujo conhecimento é
fundamental para reconstruirmos nossa ligação com a Natureza Mater. Eles podem
ser enunciados da seguinte forma:
I – todos
os grandes problemas são, por definição, insolúveis; só são superáveis;
II – o
Inconsciente não tem senso de humor, de modo que os “atos simbólicos” são, para
ele, equivalentes aos atos reais.
O primeiro princípio enuncia um fato que decorre da
experiência humana através dos tempos e nos indica que o meio adequado para
lidar com problemas de grande porte é a superação. Devemos, entretanto,
entender como “grandes problemas” aqueles de ordem fundamental da existência.
Assim, a problemática não será grande porque eu a considere como tal, mas por
envolver os fundamentos da própria vida.
Já vimos que nós tendemos a tentar reconstituir
nossa unidade com o Todo através dos processos regressivos. Isto decorre da
existência em nós daquele mesmo princípio que, na Física, é conhecido como inércia.
Ora, a inércia se define como a tendência dos corpos a permanecerem na situação
em que se encontram, isto é, parados ou em movimento retilíneo uniforme. Para
que se modifique este estado, necessário se faz aplicar-se uma força, ou seja,
realizar-se um trabalho. Do ponto de vista psicológico, a inércia se expressa
por uma atitude passiva, de acomodação ou inação. Representa a tendência a não
realizar esforços para evoluir. O esforço representa um dispêndio de energias,
trabalho, desconforto. Significa atividade, positividade. A inércia, entretanto,
nos leva a abandonar o comando de nossa própria vida. Ora, essa renúncia é
incompatível com o movimento evolucional, com o crescimento. Por isso, nos
sentimos culpados e angustiados. No Universo tudo é evolução; o que não está
evoluindo, está em processo de autodestruição. Assim sendo, já podemos tirar
duas importantes conclusões:
a) a
reconstrução dos laços que nos une à Natureza é uma tarefa imprescindível para
quem almeja alcançar a Realização. Esta nova ligação é que nos permitirá romper
o “cordão umbilical” psicológico” (”laços familiares”, na sua acepção negativa)
que nos impede de progredir no sentido de formarmos uma unidade destacada,
definida, caracterizada pela autenticidade. Este é um acontecimento decisivo na
vida do ser humano. É o momento da diferenciação. Eu me torno uma
realidade particular, única, e não mais uma expressão grupal, indiferenciada.
Nas tradições indianas, encontramos nos exercícios do yoga (União) uma
forma de atingir esta integração com o Universo. É, precisamente, a este estado
superior de ser que denominamos de “Participação Mística”. O Homem se infunde
na Realidade Universal. Passa a ser uma parte ativa no Cosmo. Cessa, com isso,
a sua solidão, o seu sentimento de desvalia.
b) Este
novo estado de unidade não pode ser alcançado senão através da Consciência
Interna. Qualquer tentativa de retorno a situações ultrapassadas é repelida
pelo Inconsciente, por significar “regressão”. Como já vimos, o que caracteriza
o homem é ser o portador de manas, do Mental, da Inteligência. Assim,
necessariamente, sua religação ao Universo se realizará através da Consciência.
Não se trata, portanto, de reconstituir o elo quebrado (o cordão umbilical),
mas de estabelecer novos laços de união, num nível superior, elevado, isto é,
através do si mesmo, do Eu Interior. Isto é simbolizado, em algumas
tradições, como o retorno à “Casa do Pai”. Representa, em realidade, um
renascimento, ou um segundo nascimento. Daí dizer-se que os Iluminados são
seres duas vezes nascidos. Ora, para renascermos, temos que volver ao
seio materno. Mas, certamente, não se trata aqui de uma regressão, de um
retorno à nossa mãe física, já que sua nobre missão se define, praticamente, ao
nos proporcionar o nascimento físico, o primeiro nascimento. A função de gerar
o nosso Ser transcendente, espiritual, pertence à mãe universal, à Magna
Mater. Por isso, quando afirmamos ser necessário volvermos, ao seio
materno, está implícito que nos referimos ao seio de Ísis, Deméter,
a Grande Mãe do Universo. Isto não constitui regressão. Significa dar curso
normal à evolução, pois todo Homem deve nascer pela segunda vez, quando então,
ele se desliga definitivamente de Maya, a Grande Ilusão.
Daí podermos já compreender o que a moderna
Psicologia denomina de “Complexo de Édipo”. Em seu sentido amplo, corresponde à
necessidade de que cada homem tem de volver a nascer; de reconquistar o Paraíso
perdido. Isto é percebido intuitivamente. Esta reconquista corresponde ao
despertar do seu Eu Espiritual, do si mesmo. Assim, de
acordo com esta ampla conceituação, todos nós somos Édipos, ou
Peregrinos da Vida, em busca das necessárias experiências propiciatórias à
nossa evolução. No seu sentido restrito, ou patológico, é que o Complexo de
Édipo é sinônimo de regressão e constitui, então, uma resposta doentia a um
impulso que, na sua origem, é perfeitamente sadio e natural. Volver às origens,
eis a questão. Portanto, o Complexo de Édipo só constitui problemática de
característica patológica, no momento em que o homem, por ignorância, se mostra
incapaz de identificar sua verdadeira natureza e realiza, por isso, “atos
simbólicos” de significação regressiva.
Assim, o retorno às origens é um dos grandes
problemas da humanidade. É o caminho natural do processo evolutivo. É
necessário esclarecer, entretanto, que tal retorno se refere à “linha de
origem” e não ao “ponto de partida”. Este movimento fica bem representado pela
espiral. O círculo, no caso, indicaria um movimento regressivo, não evolutivo,
portanto. O homem tem que volver à origem num plano mais alto e de forma
consciente. Aí ele nascerá de novo. Esta plano superior é o Plano da Divina
Mãe, o Segundo Trono. Isto equivale à superação do Complexo de Édipo.
O segundo princípio trata dos “atos simbólicos”. A
linguagem do Inconsciente, como sabemos, é o símbolo. Tudo o que alcança
o níveis do Inconsciente lá chega já devidamente traduzido em símbolos. Isto é
fácil de se compreender; nós não podemos incorporar ao nosso Inconsciente
os fatos objetivos, mas apenas os símbolos que lhes correspondem. Assim, é
possível, através de atos simbólicos, simular experiências que, do ponto de
vista prático, equivalem a experiências reais. Esta possibilidade é de grande
valor na reeducação do discípulo. Por isso mesmo é que a utilizaremos
amplamente dentro do processo iniciático. O Templo Eubiótico, por exemplo, é
construído dentro das medidas canônicas. Esta fato pode não ser do conhecimento
do visitante, mas é percebido pelo seu Inconsciente. Daí o extraordinário valor
dos símbolos. O Templo reproduz, pela simbologia, os valores do Segundo
Trono, do Plano Arquetipal Cósmico. Por isso, a função templária (a
exposição aos símbolos templários) é essencial à transmutação das naturezas
física e psíquica do homem. Realiza a elevação de sua tônica vibratória. O
discípulo tem, então, uma participação de natureza mística no Plano da
Criatividade Cósmica. Prepara-se, desta forma, o desabrochar da Consciência
Interna, no seio da Divina Mãe. É a metástase avatárica.
Assim, a Eubiose é, também, Participação
Mística, a forma superior de relacionamento do homem com o Universo. É uma
participação consciente e positiva na história da evolução da mônada
humana. A função de uma Escola Iniciática como a Sociedade Brasileira de
Eubiose é, exatamente, a de preparar seres conscientes e, portanto,
independentes; capazes de se autogovernarem. Pela Iniciação, conquista-se a
Individualização, Jiva funde-se em Jivatmã. Em Jivatmã as
contradições dialéticas se anulam. A polaridade interna ali encontra o seu
ponto de equilíbrio, de perfeita neutralidade. O Homem passa a expressar,
então, os atributos superiores do Logos Criador: vontade, amor-sabedoria
e atividade.
O Si Mesmo (Jivatmã) é, por isso, chamado o arquétipo
de deus. É o plano mais profundo e mais complexo da Personalidade. É o
centro da Psique, da Personalidade total, ilimitada e
indefinível. Constitui a meta suprema do Homem Total, de natureza
enigmática. “A grandeza do Homem reside no construir-se a si mesmo”. Por sermos
seres inacabados, podemos, então, participar de nossa própria criação. A esta
transcendental realização é que os Alquimistas denominavam de “A Grande Obra“.
Ao percorrer o Caminho Iniciático, o ego (Jiva)
confronta-se com as formas arquetipais do Inconsciente Coletivo (egrégoras).
Tal realização significa, simultaneamente, aquisição de experiências e
ampliação da consciência. Adquire-se, assim, uma nova “dimensão” da realidade
existencial. O conhecimento dos Arquétipos representa a agregação das forças
internas ao ego, o que redunda no seu “fortalecimento”. Desaparece, em
conseqüência, o aspecto unilateral da existência. Os acontecimentos objetivos
passam, então, a serem referidos em função dos eventos subjetivos que lhe deram
causa. É o prenúncio da visão sintética do mundo!
* José
Carlos Arnizaut Simões. Publicado originalmente na revista Aquarius, sob o
título de “Eubiose” (parte 3/5).
Nenhum comentário:
Postar um comentário