O Anjo Pornográfico
Nélson Rodrigues, um maldito em seu tempo, ao mesmo
tempo que amado, mostrava as mazelas, desgraças e paixões do povo, penso que
numa espécie de expurgo social, psicológico, emocional, catarse, do próprio
povo, inluindo-se aí a burguesia e seus comparsas, as farsas em geral.
Expunha-os para que as pessoas pudessem enxergar-se
ali. Alguns consideravam-no um tarado, um psicopata. Apenas espelhava
artisticamente a alma de sua gente, um homem do seu tempo, à frente de seu
tempo, como poucos. Creio que estava acima das conotações de direita e
esquerda, estava além de ambas, talvez no centro, além. Mas via como ninguém a
sua época a situação política, apesar de semi-cego, tuberculoso, cardíaco. Uma
lenda nacional, cuja vida parecia-se com a sua obra, plena de acontecimentos
fatídicos, reviravoltas, mortes absurdas na família, reconciliações, amizades
rompidas, amizades infindas, amores idem. 20 filmes foram rodados baseados em
seus textos, o grande dramaturgo brasileiro, o Carlos Drummond do teatro.
Viveu tão intensamente quanto escreveu.
Tinha a coragem de criticar – às vezes espinafrar –
amigos e inimigos, conhecidos e desconhecidos. Era coerente com suas ideias e
seu espírito. Daí, creou vários desafetos. Só que não havia homem mais
solidário que ele. Ajudava a todos, inclusive a seus detratores, desde que
gostasse deles, por amizade ou por neles ver algo de talento, nobreza de
caráter, coragem. A sua foi insuperável. Opinava sobre todos os assuntos, de
futebol a Deus.
Suas frases, tiradas, eram de uma criatividade
espantosa, jocosas, críticas, proféticas. Exemplificando, ilustrativamente: “Eu me nego a acreditar que um
político, mesmo o mais doce político, tenha senso moral”; “Dinheiro compra
tudo. Até amor verdadeiro”; “O que atrapalha o brasileiro é o próprio
brasileiro. Que Brasil formidável seria o Brasil se o brasileiro gostasse do
brasileiro”. Várias
peças suas – durante uns 40 anos – foram proibidas pelos órgãos de censura. Sua
própria vida deveria ser filmada, encenada (“O Anti-Nélson Rodrigues”, “Confissões”,
publicadas diariamente em jornal e em livro). O título de um filme bem poderia
ser “O Anjo Pornográfico”, este por sua vez o de sua biografia escrita por Ruy
Castro. Sucesso certo de bilheteria. Os tupiniquins agradeceríamos, já que uma
das vidas mais significativas no século XX em nosso país, indubitavelmente.
Autor e personagem da história.
Viva Nélson, gênio de uma família de gênios, os
Rodrigues, pernambucanos que foram para o Rio revolucioná-lo... e ao nosso
país.
LCS
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