quarta-feira, 9 de outubro de 2013

O ANJO PORNOGRÁFICO



O Anjo Pornográfico


Nélson Rodrigues, um maldito em seu tempo, ao mesmo tempo que amado, mostrava as mazelas, desgraças e paixões do povo, penso que numa espécie de expurgo social, psicológico, emocional, catarse, do próprio povo, inluindo-se aí a burguesia e seus comparsas, as farsas em geral.

Expunha-os para que as pessoas pudessem enxergar-se ali. Alguns consideravam-no um tarado, um psicopata. Apenas espelhava artisticamente a alma de sua gente, um homem do seu tempo, à frente de seu tempo, como poucos. Creio que estava acima das conotações de direita e esquerda, estava além de ambas, talvez no centro, além. Mas via como ninguém a sua época a situação política, apesar de semi-cego, tuberculoso, cardíaco. Uma lenda nacional, cuja vida parecia-se com a sua obra, plena de acontecimentos fatídicos, reviravoltas, mortes absurdas na família, reconciliações, amizades rompidas, amizades infindas, amores idem. 20 filmes foram rodados baseados em seus textos, o grande dramaturgo brasileiro, o Carlos Drummond do teatro.

Viveu tão intensamente quanto escreveu.

Tinha a coragem de criticar – às vezes espinafrar – amigos e inimigos, conhecidos e desconhecidos. Era coerente com suas ideias e seu espírito. Daí, creou vários desafetos. Só que não havia homem mais solidário que ele. Ajudava a todos, inclusive a seus detratores, desde que gostasse deles, por amizade ou por neles ver algo de talento, nobreza de caráter, coragem. A sua foi insuperável. Opinava sobre todos os assuntos, de futebol a Deus. 

Suas frases, tiradas, eram de uma criatividade espantosa, jocosas, críticas, proféticas. Exemplificando, ilustrativamente: “Eu me nego a acreditar que um político, mesmo o mais doce político, tenha senso moral”; “Dinheiro compra tudo. Até amor verdadeiro”; “O que atrapalha o brasileiro é o próprio brasileiro. Que Brasil formidável seria o Brasil se o brasileiro gostasse do brasileiro”. Várias peças suas – durante uns 40 anos – foram proibidas pelos órgãos de censura. Sua própria vida deveria ser filmada, encenada (“O Anti-Nélson Rodrigues”, “Confissões”, publicadas diariamente em jornal e em livro). O título de um filme bem poderia ser “O Anjo Pornográfico”, este por sua vez o de sua biografia escrita por Ruy Castro. Sucesso certo de bilheteria. Os tupiniquins agradeceríamos, já que uma das vidas mais significativas no século XX em nosso país, indubitavelmente. Autor e personagem da história.

Viva Nélson, gênio de uma família de gênios, os Rodrigues, pernambucanos que foram para o Rio revolucioná-lo... e ao nosso país.

LCS

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