AGNI - O FOGO SAGRADO - 3
PROF. HENRIQUE JOSÉ DE SOUZA
Apolo é o deus
da Poesia e da Música, e, como tal, o Pai das Artes e das Musas. As flechas
saídas de seu inspirado peito são mais certeiras do que as de cupido, cujos
olhos vendados não podem perceber que uma delas fere o coração de sua própria
Mãe, Vênus, já que esta representa o próprio Espírito da Terra. Daí a frase dos
Elohim: "Multiplicarei as tuas dores. Com dor parirás os filhos. Maldita
seja a Terra em sua obra: espinhos e abrolhos ela produzirá. (Gênesis II vers.
16/17)
Cupido não é outro senão o
Augoeides neo-platônico, ou o Eu-Consciência-Imortal, do mesmo modo que Atmã, o
Sétimo Princípio, Cristo, etc., da própria Teosofia, como também, o Sétimo ou
último estado de Consciência que a mônada é obrigada a alcançar na Terra. Razão
porque esta, como Mãe de Cupido, segundo a Mitologia, foi a primeira a ser
ferida no peito, pois a Terra é o lugar de sofrimento ou depuração para a
própria Mônada.
A Mitologia nos
diz, ainda, que as flechas de Apolo são a emanação da sublime beleza. E que
foram temperadas, docemente, no coração do deus, a Ele volvendo, para serem
purificadas e prontas novamente a disparar, em contínuo vai-e-vem, como o
próprio "vai-e-vem" das marés, das várias encarnações do Ego. Por
isso mesmo, podendo-se conceber tais palavras como o maravilhoso símbolo do
impulso da Vontade Criadora, para que se realize a
salvadora evolução.
O Amor é uma
chama ardente desse Fogo imortal. Tudo arde, inflamado por essa chama. O corpo
humano vive pela contínua combustão, que nele se realiza. O próprio Hipócrates,
já procurava curar as moléstias, por meio do fogo. E hoje, a diatermia está em
franco uso.
A febre é um
aumento do Fogo, que se esforça por queimar as escórias perturbadoras do
organismo. Quando o corpo não as pode vencer e o excesso de fogo se vê
impossibilitado de destruir tais escórias, o calor ou febre aumenta de tal
forma que o organismo, não mais podendo resisitr, morre.
Repito, o Amor
é uma chama do Fogo Divino, pelo qual nascemos, crescemos e nos transformamos.
O mesmo sucede
com a Natureza: vemos brotar uma flor, que depois de alguns dias ostenta suas
formosas cores, para logo perfumar o ambiente que a cerca. Uma força interna
impulsiona, tal como a energia de um motor impulsiona toda a engrenagem
de uma máquina. Porém tal energia, é algo expansiva; é a essência do Fogo, não
daquele que encerramos num foguete, que explode em maravilhoso espetáculo,
deixando espaço cravejado de lágrimas multicores, muito menos o das metralhas,
que destrói a vida de inúmeras criaturas... Mas o de seu Divino Pai: o
Fogo Celeste.
Esse foi o Fogo
roubado por Prometeu, o titã rebelde, acorrentado no cume de uma montanha, para
que os abutres se cevassem nas suas entranhas. Aquele mesmo que, ainda hoje,
não perdeu a Fé, por saber que é partícipe da natureza dos deuses, já que
Prometeu é a própria Humanidade, acorrentada nos grilhões de sua contumaz
inconsciência. Ele possui, portanto, o direito à Imortalidade, a qual, ninguém,
nem mesmo Deus lha pode negar.
Prometeu,
segundo a Mitologia, nos ensina o desprezo pela dor, e a necessidade do
esforço, a fim de alcançarmos a libertação. E daí nos cingirmos com a Coroa do
Divino Fogo, a mesma que circundava a fronte de Moisés, quando desceu do
Sinai, após haver contemplado a Luz, face a face. Esse fogo é o mesmo que,
"em línguas de Fogo, no dia de Pentecostes (segundo a adaptação que a
Igreja fez dos misteriosos símbolos da antiguidade) desceu sobre os
apóstolos". E isso, dentro da sentença oriental: "quando o discípulo
está preparado o Mestre aparece". E tal Mestre, não é outro senão a
própria Consciência, adormecida no imo de todos os seres; aquela mesma que, nos
Contos de Fadas, se acha com toda a sua corte, adormecida em plena floresta
negra (ilusória, ou de ignorância), adormecida, à espera do príncipe
encantador, que a venha despertar de tão amargurado letargo...
O Alquimista
João Tritamo, instrutor de Cornélio Agripa, abade dos beneditinos de Spanheim,
dizia:
"Deus é um
Fogo essencial e aceso em todas as coisas, e principalmente no homem. Deus é
Fogo; porém, nenhum fogo pode arder, nenhuma chama pode brilhar no seio da
Natureza, sem que o Ar ative a sua combustão. Nesse caso, em nosso interior
deve agir o Espírito Santo, como o AR ou Sopro emanado de Deus".
"Cada
coisa, dizia ele ainda, é uma Trindade de Fogo, Luz e Ar. Em outras palavras: o
Espírito - o Pai - é um Fogo Divino, superessencial; o Filho, a Luz
manifestada; e o Espírito Santo, o Ar ou movimento superessencial".
"O Fogo
reside no coração e distribui seus raios por todo o corpo, dando-lhe a vida;
porém nenhuma luz nasce desse Fogo sem o espírito de santidade".
A filosofia esotérica assegura que
reside no homem uma espécie de FOGO, chamado KUNDALINI. É o Fogo Serpentino
latente no centro básico de vitalidade (o cóccix), como serpente enroscada em
seu letargo, até que desperte e continue ativa, mediante a purificação do corpo,
das emoções e da mente, como o completo domínio dos três mundos: físico,
emocional e mental. Isso não se pode alcançar facilmente, sem o que, todos os
homens já teriam obtido a Suprema Perfeição.
Tão logo o
discípulo se encontre em condições, tal Fogo sobe por Sushumna, que é o
"nadi", ou conduto medular da coluna vertebral, à cuja direita se
acha o nervo "Ida" e à esquerda, "Píngala", termos técnicos
esses, que empregamos segundo o Orientalismo, por não conhecer, até hoje,
a Ciência oficial o referido fenômeno, mas que o nosso
Colégio Iniciático se encarregará de modificá-los,
futuramente, para o nosso idioma.
Assim, possuindo o discípulo os condutos medulares em perfeitas condições,
Kundalini por eles se eleva, abrindo as Portas dos mundos invisíveis, mesmo
porque o humano fogo, pondo-se em contato com o Divino (qual o fenômeno de dois
carvões numa lâmpada elétrica) a Energia Cósmica se estabelece. É o que se pode
chamar de "Fiat Lux", pois de fato, a "Luz espiritual" se
faz para o discípulo.
É o mesmo
fenômeno da cana onde Prometeu encerrou o Fogo roubado aos deuses. Do mesmo
modo que o Tirso dos iniciados, e o Caduceu de Mercúrio, cujas duas serpentes
enroscadas nos dão a nítida e perfeita compreensão dos referidos "nadis"
ou condutos medulares da coluna vertebral. Quanto ao capacete alado de
Mercúrio, simboliza a Inteligência Suprema, a Mente
Universal. Nas escrituras sagradas
vemos "Elias arrebatado num carro de Fogo". O próprio nome
"Elias" provém de Hélios do Sol.
Em tudo pulsa esse misterioso Fogo. Tudo nasce e vive por
Ele. E, se bem observarmos a Natureza, de tal nos convenceremos:
"Entre as plantas aquáticas,
diz Maeterlinck, figura como a mais romântica, a Valisnéria, essa
"hidrocarídea", cujos desposórios formam o episódio mais trágico da
história amorosa das flores. A Valisnéria, entretanto, é uma insignificante
planta, desprovida da graça encantadora do nenúfar, espécie de loto europeu, ou
de outras flores subaquáticas, de airosas cabeleiras. A Natureza, porém,
esmerou-se em lhe dar uma formosa história. Toda a
existência dessa planta se desenvolve no fundo das águas, em uma espécie de
sonolência, até o momento nupcial, em que vive uma nova vida. Então, a feminina
flor vai lentamente desenrolando a longa espiral de seu pedúnculo, emerge das
águas e se abre, estendendo-se garbosamente na superfície do lago. Eis que, de
lugar vizinho, a vê-la, apenas através da sombria água que a cobre, a flor
masculina sente-se bruscamente retida, porque o talo que a sustém e lhe dá vida
é demasiadamente curto, não lhe permitindo chegar até à superfície das águas, e
aí consumar a união nupcial entre estames e pistilos. Trata-se de um defeito,
ou da mais cruel das provas da Natureza?
Imagine-se, com
efeito, a horrível tragédia desse desejo, dessa transparente fatalidade, desse
suplício de Tântalo de estar vendo e tocando o que é inatingível. Semelhante
drama seria tão insolúvel, como o nosso próprio drama na Terra.
Mas, eis que surge,
de repente, um novo e inesperado elemento.
Terá a flor
masculina o pressentimento de tamanha decepção? Não o sabemos. O certo, porém,
é que ela soube guardar em seu coração uma bolha de ar, como guardamos, em
nossa alma um doce pensamento de inesperada salvação... Dir-se-ia que vacila um
instante, para logo, em esforço supremo, o mais assombroso de quanto se conhece
na vida das flores e dos insetos, romper, heroicamente, o laço que a liga à
existência, para voar à altura de seu amoroso ideal. Corta, por si mesma,
seu pedúnculo e, em incomparável impulso, entre pérolas de alegria, suas
pétalas se desfolham pela superfície das águas... Ferida de morte, porém
livre e rutilante, flutua um instante ao lado de sua amorosa consorte. A união
dos dois seres se realiza, depois da qual a flor masculina, sacrificada em aras
de seus desejos, é joguete das águas, que levam seu cadáver para a margem
vizinha, enquanto a esposa - já mãe - cerra sua corola onde
palpitam, ainda, os amantes eflúvios; enrola seu pistilo e desce novamente às
profundezas aquáticas, afim de amadurecer o fruto de um amor heróico e sem
limites".
Essa formosa
passagem da vida das flores aquáticas, dá-nos a idéia do FOGO amoroso, que
pulsa no seio da Natureza. Se disséssemos que o Universo é FOGO, não
mentiríamos. Tudo quanto percebem os nossos sentidos não é mais do que sombras
e fumo desse Fogo.
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