quarta-feira, 9 de outubro de 2013

AGNI - O FOGO SAGRADO - 1



AGNI - O FOGO SAGRADO
                                                   PROF. HENRIQUE JOSÉ DE SOUZA – 1946 - I

                Que triste deveria ser, em tempos remotos, a vida do homem sem o fogo!
                Apavorado, fugia ele em busca de sua caverna, quando horrível tempestade se desencadeava, e o raio, sulcando as plúmbeas nuvens, vinha abater as corpulentas árvores dos cerrados bosques onde ele vivia.
                Aquela tempestade, pensava ele, era a vingança de um deus poderoso!  
                Do mesmo modo que, até hoje, o fogo afugenta as mais temíveis feras segundo aquela maravilhosa fantasia de Kipling, quando "elas fugiam diante do pequeno, criado na cova dos lobos"; o mesmo que, provindo das selvas indianas, era portador de um facho de luz, ao qual as feras chamavam de "rubra-flor" - assim fugiam do fogo os primitivos habitantes de nosso planeta.  
                Raiou, porém, o dia em que os "Reis Divinos", ou aqueles que desceram dos céus para auxiliar a humanidade, ensinaram como deveria ser aceso o fogo, segundo o processo do atributo de dois pedaços de madeira, usado aliás até hoje, por algumas tribos selvagens, como reminiscência daqueles remotíssimos tempos da vida humana.
                Relata-nos a própria história que da haste do nártex, ou pramantha, o qual, pelo atrito com um disco de vidoeiro, o arâni, fazia chispar a chama com que o pastor ário, do platô asiático, fazia o fogo de seu lar, saiu o mito índico do Pramantha, ou do "ser exteriormente agitante, que extrai o desconhecido do conhecido, o puro do viciado, o luminoso das trevas".
                Entretanto, a história está mui longe de saber a verdade, porquanto já nas duas raças anteriores à esta, o fogo era conhecido. O próprio fato a que nos referimos, dos ensinamentos dos "Reis Divinos", teve lugar no começo da raça lemuriana. E na seguinte, a atlante, era ele, o fogo, habilmente manejado.
                Serviu-se, pois, o homem, do fogo, para afugentar as feras que infestavam os seus domínios. Usavam-no também para se aquecer e preparar seus manjares.
                O fogo foi o centro, em torno do qual se formou a família, núcleo da sociedade humana. Se no começo lhe causou pavor o fogo descido dos céus, depois o encheu de admiração, não só por sua utilidade, como pela misteriosa atração  da chama, como se algo de magnético ali contido o fascinasse. Razão porque acabou ele por adorar o ígneo elemento.
                Não nos deve pois surpreender que, em toda parte onde houvesse vida humana, ao fogo se tributasse culto.
                Do mesmo modo que adorado foi o Sol, como Fonte de energia. Fogo de todos os fogos!
                Compreendeu o homem, por intuição, que o Sol e o Fogo - com sua luz e calor - eram da mesma essência. E, como tal, o fogo dimanava daquele.
                O termo Zoroastro ou Zarathustra, nô-lo diz: "Astro-zero", que, tanto vale pelo "disco solar" egípcio, ou Aton (o Sol), com o qual o grande Kunaton (antes chamado Amenhotep ou Amenophis IV), procurou destronar o deus Amon-Ra, provando com isso ser um conhecedor dos mistérios da vida, ou antes, um verdadeiro teósofo.
                Os próprios caldeus adotaram para o Astro-Rei um círculo, com um ponto no centro, o qual serve, até hoje, para representar a primeira emanação da Divindade.

                Tempos depois, quanto mais se afastava o homem da natureza quando, com a sua inteligência, dominou egoisticamente algumas forças naturais, esqueceu-se da essência espiritual do Fogo, servindo-se apenas de sua parte mais material e grosseira.;
                Trá-lo consigo; serve-se dele para os usos domésticos e fabris; para a locomoção marítima e terrestre e, até, para destruir cidades e vidas, como acontece nessas lutas fratricidas a que assistimos ainda hoje.
                Perdeu ele, portanto, o contato com os aspectos superiores do Ígneo Princípio, pois, além do mais, desconhece os  misteriosos fogos que dormem em si mesmo, segundo já diziam os sábios da antiguidade: "Há Fogo na Alma, e Alma no Fogo"...
                Segundo Virgílio, "ao levantar-se Enéas, dando um grito de alegria, estendia, súplice, as mãos para o céu, lançando ao fogo "intemerata dona", isto é, "puras oferendas". Cumprindo esse dever, corria a anunciar a seu pai a visão dos deuses".
                Naqueles tempos eram oferecidos sacrifícios aos deuses. O fogo consumia as hóstias, oferecidas em forma de bois e carneiros, mesmo porque, desde o reinado de NUMA, em Roma, foram proibidos os sacrifícios humanos. Hoje,  nossos sacrifícios devem ser de ordem puramente moral, embora temperados com o sal da Sabedoria. É o Fogo da Alma que consome o IMORTAL.
                Do mesmo modo, em todas as religiões, papel saliente possui o Fogo, como o provam as lâmpadas e círios que ardem nos altares. No Fogo é queimado o oloroso incenso, cujo perfume sobe, em azuladas nuvens, para o céu. Tal Fogo é o emblema da chama do Espírito, no qual todo homem deve acender o facho da sua Alma sedenta de luz!
                Cerro os olhos e aparece, diante de minha imaginação aquela "Montanha de Fogo" onde, por ordem de Wotan, esteve encerrada a sua filha Brunhilda.
                Isolo-me do mundo e ouço a sublime música de Wagner e vejo como as chamas lambem as rochas e sobem em mil formas caprichosas. Ouço-as crepitar, com silvos semelhantes ao rumor de tempestuoso mar de fogo. Cerro novamente os olhos e me extasio diante dos próprios valores de nossa Obra, estampados naquela outra "Montanha de Fogo" que o grande Jina que se chamou Mario Roso de Luna cognominou de "capital espiritual do Brasil". Lá se acha     ainda, a tremeluzir, o sacrossanto Fogo com que os deuses invisíveis quiseram prendar a privilegiada Terra de seu próprio nome: BRASIL.
                Não mais a prodigiosa música de Wagner, e sim a transcendental, do bailado das Apsaras, saudando o amanhecer do Manuântara. Enquanto a Terra trepida sob meus pés, sacudida pelas cadenciadas vibrações de misteriosa cachoeira, que se divisa do alto da Montanha!...
                Todos esses mistérios obrigam-me a meditar: a Água sempre para baixo. E o Fogo, para o Alto! Nenhuma dúvida resta : o Fogo é algo de Divino e sua chama, o veículo material do Espírito Supremo! Os elementais do Fogo, contrariamente aos da Água, que procuram sempre atrair os homens para as profundezas oceânicas, segundo a  iniciática frase do "não te deixes levar pelo canto das sereias", - que tanto vale pelo das paixões inferiores - fogem dos homens e são intangíveis, porquanto seu contato destruiria os que fossem puramente mortais. Fato esse que nos ensina que, para podermos viver em contato com o verdadeiro Fogo, que é o do Espírito, temos de destruir tudo quanto em nós subsiste de mortal, de material ou inferior. Não era outro o sentido daquele "para matar a morte" exigido aos pretendentes à imortalidade, nos egrégios Colégios Iniciáticos de outrora.
                Em um anfiteatro de montanhas entre verdejantes bosques de louro, erguia-se, majestoso e solene, o templo de Delfos. Os primeiros raios de sol vinham beijar, todas as manhãs, aquele recanto maravilhoso, onde acudiam os"mistas" de toda a Grécia, para serem iniciados nos sagrados mistérios. Em uma caverna ardia sobre um trípode o Fogo Sagrado, alimentado por troncos sêcos do perfumoso louro. Pelas frestas da caverna, saía um bafo quente e     enervante, enquanto que, através de oblíqua e elevada fenda, se via o cerúleo manto do Firmamento. Era o lugar onde as inspiradas pitonisas concediam os seus oráculos.
                Nos templos romanos as vestais conservavam o Fogo. As sacerdotisas druidesas pagavam com a vida o seu descuido, se ele se apagava. Em tempos mais remotos ainda, na Caldéia, no Egito, Zoroastro e Hermés davam a entender a imensa importância do Fogo e de sua misteriosa Alma.
                Entretanto, o Fogo dos planos superiores é mui distinto daquele que conhecemos através de nosso sentidos físicos, por ser este o simples reflexo ou expressão inferior do mais elevado e abstrato.
                Figuremos um Fogo que não queima: uma espécie de líquido, algo parecido com a Água, dando com isso razão de ser ao célebre axioma ocultista de que "o Fogo líquido procede do indefinido Fogo Oculto, que é alimentado pelo Hálito de seu próprio Espírito".
                Assim o conceberam em sua essência os mesmos Iniciados da época do primeiro Zoroastro, como o Grande Mago do Fogo. Daí o arder, nos altares da época, o Fogo sem combustível, símbolo da Vida Divina.
                Do mesmo modo que hoje a Igreja faz emudecer, na sexta-feira santa, os sinos e as campainhas, e procura velar com roxos crepes as imagens de seus templos, assim, também, nos tempos de outrora, a ara ficava órfã de fogo...
                Eram os dias primaveris, antes da Ressurreição da Natureza, que é e será sempre, o Símbolo da Ressurreição da Alma; da Páscoa florida, símbolo do mito solar. Hermés ensinava a doutrina da Luz interna como Fogo oculto em  todas as coisas; como Luz residindo em todas as criaturas. Encarregava Ele aos sacerdotes de repetirem a cada  passo: "Eu sou esta Luz; esta Luz sou Eu". Uma das frases mais favorecidas dos egípcios era: "Segue a Luz".
                Na antiga Caldéia, cada planeta possuía um Templo que lhe era dedicado: porém, o principal deles era o do SOL. Compunha-se ele de uma grande cúpula central, com quatro naves, que assinalavam os quatro pontos cardeais, ou  seja, semelhante ao PRAMANTHA das escrituras vedantinas, cuja mais bela expressão ainda se acha no   CRUZEIRO DO SUL, que orna o incomparável firmamento de nossa Pátria, como o próprio Símbolo da "Missão dos Sete Raios de Luz".
                Citemos, de passagem, o que dizem aquelas escrituras vedantinas a respeito do PRAMANTHA:  "O Pai do Fogo Sagrado (AGNI) é o divino TUASHTRI, o carpinteiro que prepara a  Cruz ou o PRAMANTHA, destinada a produzir o Fogo pelo atrito, cujo fogo deveria gerar   filho divino"
                A mãe do Fogo Sagrado é a Divina Maya. Quando o pequeno AGNI cresce, é colocado num bêrço, entre animais. E ao lado, a vaca mugidora, já que Vaca, ou simplesmente VACH, significa, em sânscrito, o Verbo Sagrado, o Logos Criador, etc. etc.
                Pelo que se vê, foi deste - como de outros mitos e alegorias multiseculares, donde a Igreja copiou o nascimento do menino Jesus, numa manjedoura; que seu Pai era carpinteiro; que seu Filho passava os dias a fazer cruzes de madeira, já prevendo o lugar de seu suplício. Os animais do "Presépio de Belém", e até mesmo o nome de sua Mãe, como Maria, Myriam ou Mayá, como o foram as Mães de outros Seres, por exemplo Yeseus Krishna (donde a Igreja  copiou o de Jesus Cristo) e do Buda, embora o primeiro tenha vivido 3.500 anos antes da chamada era cristã e, o  segundo, 645 anos antes daquela mesma época.
                Volvamos aos mistérios do Templo do Sol, da antiga Caldéia:
                Ao passarem as estrelas pelo meridiano, entrava sua luz por estreita abertura, vindo a refletir-se em um espelho côncavo, de maneira que pudesse ser aplicado à influência de cada planeta. Quando o Sol, por sua vez, passava pelo meridiano, acendiam-se, imediatamente, os fogos sagrados, por meio de um globo de cristal, cheio d'água, que servia de lente.
                Sabe-se que a antiga religião caldaica não só adorava o Sol, como também as hostes celestes, ou seja, os anjos das estrelas, aos quais chamamos como Teósofos, de "Espíritos Planetários", Dhyans-Choans, etc. E como sejam em número de SETE --- segundo os próprios dias da semana, das côres, das notas da gama musical, dos estados de consciência, as raças e suas respectivas sub-raças, os Tattwas ou fôrças sutis da natureza (embora os menos     entendidos só conheçam cinco), os Chacras ou centros de fôrças nos homens, etc. - logo a Igreja os representa nos  seus candelabros com igual número de círios. Ademais, já as velhas escrituras orientais os apontavam como os "Sete Leões ardentes"; Ezequiel, em suas famosas visões, como "Sete angelicais trombetas"; enquanto outros, como as "Sete Taças Eucarísticas", embora, de fato, somente a última, ou sétima, possua direito a tal nome, por simbolizar o     último estado de consciência que o Homem deve alcançar na Terra: o sétimo princípio Teosófico, ou princípio "crístico". Razão porque esta última Taça tomou o místico sentido das três iniciais: JHS, das quais a igreja se serviu para seu "Jesus Homo Salvatorem".
                Dessas tradições iniciáticas serviu-se, por sua vez, o inspirado Wagner, para a Taça em que Lohengrin bebe o "sangue eucarístico", já que o próprio termo "Lohengrin" provém de Lohan, ou Choan, e Grim, de Gnain, Jnana, Jina,   etc., todos eles dentro dos referidos mistérios.
                Assim é que a vida dos caldeus era regulada por um perfeito sistema astrológico, embora, para os grandes Iniciados, o culto do Sol e dos Astros não fosse material, mas altamente espiritual. A Heliolatria daquele povo possui  reminiscências, ainda hoje, na adoração solar dos povos selvagens, como entre nós, por exemplo, a de Tupã, como "deus do Fogo, o Sol, etc.". Razão por que a nossa própria história relata a passagem acontecida com Diogo Álvares     Corrêa, o Caramuru, que, por ter abatido com seu fuzil redentora pomba que passava naquele momento, fez exclamar aos índios, que o queriam matar: "Tupã Caramuru", isto é, "Homem do fogo, o homem que produz fogo".
                Naqueles tempos a que nos referimos, levavam os caldeus para suas casas uma brasa do sacrossanto Fogo, que consideravam como descido do céu. Com ele se acendia o do lar, que era religiosamente conservado, e jamais deveria apagar-se durante o ano.
                Poucos ignoram o argumento de NORMA, a inspirada ópera de Belini cujos amores com Pelion, o cruel romano, tiveram o trágico fim de sua morte na fogueira, antes, porém, recomendando a seu pai Oroveso, o grande sacerdote Druida, os "dois filhos de seus amores" que tanto valem pelo iniciático mistério da forma dual, com que a própria Divindade se apresenta no começo dos ciclos raciais, mais conhecidos como: Gêmeos Espirituais.
                O último canto da NORMA, antes de ser atirada às chamas, é da mais sublime inspiração.
                Do mesmo modo, Jeanne d'Arc, se acha dentro do etimológico sentido dos termos sânscritos e tibetanos: Dzyan, Dzyn, Djin, Jina, Jnana. E Arghia, Arga, Agartha, ou Arca (donde foi copiado o de Arca de Noé).
         Nesse caso, Jeanne d'Arc se traduz por: Jina ou gênio da Agartha. Por isso mesmo, heroína igual àquelas Valkírias dos cantos nibelungos, e famosas "amazonas das margens do Thermodonte". Todas elas, digamos, com HPB à frente, portadoras do excelso Fogo da sabedoria. Por isso mesmo, salvadoras, redentoras da humanidade, com seus grandes rasgos de heroísmo, como Jeanne d'Arc, salvando a França das hostes invasoras, e HPB, ao lado de Garibaldi,      lutando contra o poder papal, lanceada no peito, na batalha de Mentana.

Nenhum comentário: