AGNI - O FOGO SAGRADO
PROF. HENRIQUE JOSÉ DE SOUZA – 1946 - I
Que triste deveria ser, em
tempos remotos, a vida do homem sem o fogo!
Apavorado, fugia ele em busca
de sua caverna, quando horrível tempestade se desencadeava, e o raio, sulcando
as plúmbeas nuvens, vinha abater as corpulentas árvores dos cerrados bosques
onde ele vivia.
Aquela
tempestade, pensava ele, era a vingança de um deus poderoso!
Do mesmo modo
que, até hoje, o fogo afugenta as mais temíveis feras segundo aquela
maravilhosa fantasia de Kipling, quando "elas fugiam diante do pequeno,
criado na cova dos lobos"; o mesmo que, provindo das selvas indianas, era
portador de um facho de luz, ao qual as feras chamavam de
"rubra-flor" - assim fugiam do fogo os primitivos habitantes de nosso
planeta.
Raiou, porém, o dia em que os
"Reis Divinos", ou aqueles que desceram dos céus para auxiliar a
humanidade, ensinaram como deveria ser aceso o fogo, segundo o processo do
atributo de dois pedaços de madeira, usado aliás até hoje, por algumas tribos
selvagens, como reminiscência daqueles remotíssimos tempos da vida humana.
Relata-nos a própria história
que da haste do nártex, ou pramantha, o qual, pelo atrito com um disco de
vidoeiro, o arâni, fazia chispar a chama com que o pastor ário, do platô
asiático, fazia o fogo de seu lar, saiu o mito índico do Pramantha, ou do
"ser exteriormente agitante, que extrai o desconhecido do conhecido, o
puro do viciado, o luminoso das trevas".
Entretanto, a história está mui
longe de saber a verdade, porquanto já nas duas raças anteriores à esta, o fogo
era conhecido. O próprio fato a que nos referimos, dos ensinamentos dos
"Reis Divinos", teve lugar no começo da raça lemuriana. E na
seguinte, a atlante, era ele, o fogo, habilmente manejado.
Serviu-se, pois, o homem, do
fogo, para afugentar as feras que infestavam os seus domínios. Usavam-no também
para se aquecer e preparar seus manjares.
O fogo foi o centro, em torno do
qual se formou a família, núcleo da sociedade humana. Se no começo lhe causou
pavor o fogo descido dos céus, depois o encheu de admiração, não só por sua
utilidade, como pela misteriosa atração da chama, como se algo de
magnético ali contido o fascinasse. Razão porque acabou ele por adorar o ígneo
elemento.
Não nos deve pois surpreender
que, em toda parte onde houvesse vida humana, ao fogo se tributasse culto.
Do mesmo modo que adorado foi o
Sol, como Fonte de energia. Fogo de todos os fogos!
Compreendeu o homem, por
intuição, que o Sol e o Fogo - com sua luz e calor - eram da mesma essência. E,
como tal, o fogo dimanava daquele.
O termo Zoroastro ou
Zarathustra, nô-lo diz: "Astro-zero", que, tanto vale pelo
"disco solar" egípcio, ou Aton (o Sol), com o qual o grande Kunaton
(antes chamado Amenhotep ou Amenophis IV), procurou destronar o deus Amon-Ra,
provando com isso ser um conhecedor dos mistérios da vida, ou antes, um
verdadeiro teósofo.
Os próprios caldeus adotaram
para o Astro-Rei um círculo, com um ponto no centro, o qual serve, até hoje,
para representar a primeira emanação da Divindade.
Tempos depois, quanto mais se
afastava o homem da natureza quando, com a sua inteligência, dominou
egoisticamente algumas forças naturais, esqueceu-se da essência espiritual do
Fogo, servindo-se apenas de sua parte mais material e grosseira.;
Trá-lo consigo; serve-se dele
para os usos domésticos e fabris; para a locomoção marítima e terrestre e, até,
para destruir cidades e vidas, como acontece nessas lutas fratricidas a que
assistimos ainda hoje.
Perdeu ele, portanto, o contato
com os aspectos superiores do Ígneo Princípio, pois, além do mais, desconhece
os misteriosos fogos que dormem em si mesmo, segundo já diziam os sábios
da antiguidade: "Há Fogo na Alma, e Alma no Fogo"...
Segundo Virgílio, "ao
levantar-se Enéas, dando um grito de alegria, estendia, súplice, as mãos para o
céu, lançando ao fogo "intemerata dona", isto é, "puras
oferendas". Cumprindo esse dever, corria a anunciar a seu pai a visão dos
deuses".
Naqueles tempos eram oferecidos
sacrifícios aos deuses. O fogo consumia as hóstias, oferecidas em forma de bois
e carneiros, mesmo porque, desde o reinado de NUMA, em Roma, foram proibidos os
sacrifícios humanos. Hoje, nossos sacrifícios devem ser de ordem puramente
moral, embora temperados com o sal da Sabedoria. É o Fogo da Alma que consome o
IMORTAL.
Do mesmo modo, em todas as
religiões, papel saliente possui o Fogo, como o provam as lâmpadas e círios que
ardem nos altares. No Fogo é queimado o oloroso incenso, cujo perfume sobe, em
azuladas nuvens, para o céu. Tal Fogo é o emblema da chama do Espírito, no qual
todo homem deve acender o facho da sua Alma sedenta de luz!
Cerro os olhos e aparece,
diante de minha imaginação aquela "Montanha de Fogo" onde, por ordem
de Wotan, esteve encerrada a sua filha Brunhilda.
Isolo-me do mundo e ouço a
sublime música de Wagner e vejo como as chamas lambem as rochas e sobem em mil
formas caprichosas. Ouço-as crepitar, com silvos semelhantes ao rumor de
tempestuoso mar de fogo. Cerro novamente os olhos e me extasio diante dos
próprios valores de nossa Obra, estampados naquela outra "Montanha de
Fogo" que o grande Jina que se chamou Mario Roso de Luna cognominou de
"capital espiritual do Brasil". Lá se acha
ainda, a tremeluzir, o sacrossanto Fogo com que os deuses invisíveis quiseram
prendar a privilegiada Terra de seu próprio nome: BRASIL.
Não mais a prodigiosa música de
Wagner, e sim a transcendental, do bailado das Apsaras, saudando o amanhecer do
Manuântara. Enquanto a Terra trepida sob meus pés, sacudida pelas cadenciadas
vibrações de misteriosa cachoeira, que se divisa do alto da Montanha!...
Todos esses mistérios
obrigam-me a meditar: a Água sempre para baixo. E o Fogo, para o Alto! Nenhuma
dúvida resta : o Fogo é algo de Divino e sua chama, o veículo material do
Espírito Supremo! Os elementais do Fogo, contrariamente aos da Água, que
procuram sempre atrair os homens para as profundezas oceânicas, segundo a
iniciática frase do "não te deixes levar pelo canto das sereias", -
que tanto vale pelo das paixões inferiores - fogem dos homens e são
intangíveis, porquanto seu contato destruiria os que fossem puramente mortais.
Fato esse que nos ensina que, para podermos viver em contato com o verdadeiro Fogo,
que é o do Espírito, temos de destruir tudo quanto em nós subsiste de mortal,
de material ou inferior. Não era outro o sentido daquele "para matar a
morte" exigido aos pretendentes à imortalidade, nos egrégios Colégios
Iniciáticos de outrora.
Em um anfiteatro de montanhas
entre verdejantes bosques de louro, erguia-se, majestoso e solene, o templo de
Delfos. Os primeiros raios de sol vinham beijar, todas as manhãs, aquele
recanto maravilhoso, onde acudiam os"mistas" de toda a Grécia, para
serem iniciados nos sagrados mistérios. Em uma caverna ardia sobre um trípode o
Fogo Sagrado, alimentado por troncos sêcos do perfumoso louro. Pelas frestas da
caverna, saía um bafo quente e enervante, enquanto que,
através de oblíqua e elevada fenda, se via o cerúleo manto do Firmamento. Era o
lugar onde as inspiradas pitonisas concediam os seus oráculos.
Nos templos romanos as vestais
conservavam o Fogo. As sacerdotisas druidesas pagavam com a vida o seu
descuido, se ele se apagava. Em tempos mais remotos ainda, na Caldéia, no
Egito, Zoroastro e Hermés davam a entender a imensa importância do Fogo e de
sua misteriosa Alma.
Entretanto, o Fogo dos planos
superiores é mui distinto daquele que conhecemos através de nosso sentidos
físicos, por ser este o simples reflexo ou expressão inferior do mais elevado e
abstrato.
Figuremos um Fogo que não
queima: uma espécie de líquido, algo parecido com a Água, dando com isso razão
de ser ao célebre axioma ocultista de que "o Fogo líquido procede do
indefinido Fogo Oculto, que é alimentado pelo Hálito de seu próprio
Espírito".
Assim o conceberam em sua
essência os mesmos Iniciados da época do primeiro Zoroastro, como o Grande Mago
do Fogo. Daí o arder, nos altares da época, o Fogo sem combustível, símbolo da Vida
Divina.
Do mesmo modo que hoje a Igreja
faz emudecer, na sexta-feira santa, os sinos e as campainhas, e procura velar
com roxos crepes as imagens de seus templos, assim, também, nos tempos de
outrora, a ara ficava órfã de fogo...
Eram os dias primaveris, antes
da Ressurreição da Natureza, que é e será sempre, o Símbolo da Ressurreição da
Alma; da Páscoa florida, símbolo do mito solar. Hermés ensinava a doutrina da
Luz interna como Fogo oculto em todas as coisas; como Luz residindo em
todas as criaturas. Encarregava Ele aos sacerdotes de repetirem a cada
passo: "Eu sou esta Luz; esta Luz sou Eu". Uma das frases mais
favorecidas dos egípcios era: "Segue a Luz".
Na antiga Caldéia, cada planeta
possuía um Templo que lhe era dedicado: porém, o principal deles era o do SOL.
Compunha-se ele de uma grande cúpula central, com quatro naves, que assinalavam
os quatro pontos cardeais, ou seja, semelhante ao PRAMANTHA das
escrituras vedantinas, cuja mais bela expressão ainda se acha no
CRUZEIRO DO SUL, que orna o incomparável firmamento de nossa Pátria, como o
próprio Símbolo da "Missão dos Sete Raios de Luz".
Citemos, de passagem, o que
dizem aquelas escrituras vedantinas a respeito do PRAMANTHA: "O Pai
do Fogo Sagrado (AGNI) é o divino TUASHTRI, o carpinteiro que prepara a
Cruz ou o PRAMANTHA, destinada a produzir o Fogo pelo atrito, cujo fogo
deveria gerar filho divino"
A mãe do Fogo Sagrado é a
Divina Maya. Quando o pequeno AGNI cresce, é colocado num bêrço, entre animais.
E ao lado, a vaca mugidora, já que Vaca, ou simplesmente VACH, significa, em
sânscrito, o Verbo Sagrado, o Logos Criador, etc. etc.
Pelo que se vê, foi deste -
como de outros mitos e alegorias multiseculares, donde a Igreja copiou o
nascimento do menino Jesus, numa manjedoura; que seu Pai era carpinteiro; que
seu Filho passava os dias a fazer cruzes de madeira, já prevendo o lugar de seu
suplício. Os animais do "Presépio de Belém", e até mesmo o nome de
sua Mãe, como Maria, Myriam ou Mayá, como o foram as Mães de outros Seres, por
exemplo Yeseus Krishna (donde a Igreja copiou o de Jesus Cristo) e do
Buda, embora o primeiro tenha vivido 3.500 anos antes da chamada era cristã e,
o segundo, 645 anos antes daquela mesma época.
Volvamos aos mistérios do
Templo do Sol, da antiga Caldéia:
Ao passarem as estrelas pelo
meridiano, entrava sua luz por estreita abertura, vindo a refletir-se em um
espelho côncavo, de maneira que pudesse ser aplicado à influência de cada
planeta. Quando o Sol, por sua vez, passava pelo meridiano, acendiam-se,
imediatamente, os fogos sagrados, por meio de um globo de cristal, cheio
d'água, que servia de lente.
Sabe-se que a antiga religião
caldaica não só adorava o Sol, como também as hostes celestes, ou seja, os
anjos das estrelas, aos quais chamamos como Teósofos, de "Espíritos
Planetários", Dhyans-Choans, etc. E como sejam em número de SETE ---
segundo os próprios dias da semana, das côres, das notas da gama musical, dos
estados de consciência, as raças e suas respectivas sub-raças, os Tattwas ou
fôrças sutis da natureza (embora os menos entendidos só
conheçam cinco), os Chacras ou centros de fôrças nos homens, etc. - logo a Igreja
os representa nos seus candelabros com igual número de círios. Ademais,
já as velhas escrituras orientais os apontavam como os "Sete Leões
ardentes"; Ezequiel, em suas famosas visões, como "Sete angelicais
trombetas"; enquanto outros, como as "Sete Taças Eucarísticas",
embora, de fato, somente a última, ou sétima, possua direito a tal nome, por
simbolizar o último estado de consciência que o Homem
deve alcançar na Terra: o sétimo princípio Teosófico, ou princípio
"crístico". Razão porque esta última Taça tomou o místico sentido das
três iniciais: JHS, das quais a igreja se serviu para seu "Jesus Homo
Salvatorem".
Dessas tradições
iniciáticas serviu-se, por sua vez, o inspirado Wagner, para a Taça em que
Lohengrin bebe o "sangue eucarístico", já que o próprio termo
"Lohengrin" provém de Lohan, ou Choan, e Grim, de Gnain, Jnana,
Jina, etc., todos eles dentro dos referidos mistérios.
Assim é que a vida dos caldeus
era regulada por um perfeito sistema astrológico, embora, para os grandes
Iniciados, o culto do Sol e dos Astros não fosse material, mas altamente
espiritual. A Heliolatria daquele povo possui reminiscências, ainda hoje,
na adoração solar dos povos selvagens, como entre nós, por exemplo, a de Tupã,
como "deus do Fogo, o Sol, etc.". Razão por que a nossa própria
história relata a passagem acontecida com Diogo Álvares
Corrêa, o Caramuru, que, por ter abatido com seu fuzil redentora pomba que
passava naquele momento, fez exclamar aos índios, que o queriam matar:
"Tupã Caramuru", isto é, "Homem do fogo, o homem que produz
fogo".
Naqueles tempos a que nos
referimos, levavam os caldeus para suas casas uma brasa do sacrossanto Fogo,
que consideravam como descido do céu. Com ele se acendia o do lar, que era
religiosamente conservado, e jamais deveria apagar-se durante o ano.
Poucos ignoram o argumento de
NORMA, a inspirada ópera de Belini cujos amores com Pelion, o cruel romano,
tiveram o trágico fim de sua morte na fogueira, antes, porém, recomendando a
seu pai Oroveso, o grande sacerdote Druida, os "dois filhos de seus
amores" que tanto valem pelo iniciático mistério da forma dual, com que a
própria Divindade se apresenta no começo dos ciclos raciais, mais conhecidos
como: Gêmeos Espirituais.
O último canto da
NORMA, antes de ser atirada às chamas, é da mais sublime inspiração.
Do mesmo modo,
Jeanne d'Arc, se acha dentro do etimológico sentido dos termos sânscritos e
tibetanos: Dzyan, Dzyn, Djin, Jina, Jnana. E Arghia, Arga, Agartha, ou Arca
(donde foi copiado o de Arca de Noé).
Nesse caso, Jeanne d'Arc se traduz por: Jina ou gênio da
Agartha. Por isso mesmo, heroína igual àquelas Valkírias dos cantos nibelungos,
e famosas "amazonas das margens do Thermodonte". Todas elas, digamos,
com HPB à frente, portadoras do excelso Fogo da sabedoria. Por isso mesmo,
salvadoras, redentoras da humanidade, com seus grandes rasgos de heroísmo, como
Jeanne d'Arc, salvando a França das hostes invasoras, e HPB, ao lado de
Garibaldi, lutando contra o poder papal, lanceada no
peito, na batalha de Mentana.
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