sábado, 26 de outubro de 2013

Abordando Caetano



O Polêmico e Misterioso Caetano


S
empre se fala de Caetano Veloso no Brasil. Já ouvi muito, discussão a valer, e as minhas deficiências interpretativas e um conhecimento apenas formal de sua obra não me permitiam às vezes dar uma melhor contribuição às conversas dos bares e lares.

“Enquanto os homens exercem seus podres poderes...”

Nos idos dos 80 “viajávamos” muito em seus versos, sons, alegrias. Suas irreverentes alegorias, seu amor enorme e confiança em si, sua certeza desconcertante para os meninos saídos do segundo grau mexia com a cabeça, o corpo, o coração. Odara demais? Não, curtíamos demasiadamente bem.

“...onde não há pecado nem perdão.”

Comparava-se ele e Gil, quem era mais isso, menos aquilo. Outros desaprovavam sua postura “apolítica”. Certa feita tive a paciência de ouvir uma amiga “intelectual” chamá-lo de babaca. É autoridade pra chuchu, né? Se o visse pela frente, a primeira coisa que faria seria atirar-se em seus braços e tentar levá-lo para a cama. Se conseguisse o acharia o melhor e mais inteligente homem do mundo...

Se soubéssemos o tanto que as antenas da raça – os artistas - captam o futuro, não estaríamos a cultivar aboborinhas. Tudo bem. Há muitos poetas Brasil afora, de todos os naipes e timbres. Mas não bebemos nas mesmas fontes que Caetano, Gil, Chico Buarque, Chico César, Raul Seixas, Vinícius de Moraes, Tom Zé, Djavan, Edu Lobo, Capinam, Fausto Nilo, Elomar, Ronaldo Bastos, Taiguara.

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“... tuas oficinas de florestas/ teus deuses da chuva...”

Cada macaco no seu galho. Ser crítico construtivo não deve ser fácil. Os artistas em geral são extravagantes, não se incomodam com o que se fala de negativo a seu respeito o mundo dos normais, mas a genialidade já ganhou muitos tapas na cara, já tomou cicuta, já foi guilhotinada, queimada na enorme fogueira das vaidades.

“Quem cochicha o rabo espicha...”

Certa feita fomos surpreendidos pelo artista plástico Evandro Salles de Brasília, cultor do zen-budismo, mostrando-nos suas obras. Havia uma gravura retratando uma espécie de ritual dionisíaco, onde um bando de homens e mulheres despidos desarrumavam-se um por cima do outro. Evandro, após um questionamento político, responde com outra pergunta: “E você acha que não existe nada de social nisto?” Alguns estudam psicologia para se entender melhor. Jung dá-nos a impressão de ter sido estudado a fundo no Brasil apenas pela psiquiatra Nise da Silveira no Rio e em escolas esotéricas. Muitos crêem que tudo está na universidade, mas há outros tipos de universalidade... Fernando Pessoa foi lido por Caetano Veloso. Muitos (?) leem Drummond, Bandeira, Cabral, Castro Alves, Cecília Meireles, Florbela Espanca, Ana Cristina César, Leminsky, Quintana, Manoel de Barros.

“... como querer djavanear o que há de bom.”

Mas a compreensão de uma obra varia à medida do cabedal cultural de cada um, sua estrutura emocional, experiência de vida, senso crítico e aparelhamento espiritual, glandular. Se não entender bem pode fundir a cuca, pois a arte é abstrata. Os equívocos, naturais. Mas desmerecer um dos maiores artistas brasileiros,

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contribuição óbvia desde a década de 60 – e até hoje – para a
transformação de comportamentos e enriquecimento da arte e cultura pátria ou mátria ou frátria, com um palavrãozinho qualquer, é de doer. O jornal New York Times, por exemplo, já teceu loas ao brasileiríssimo Mr. Veloso umas quantas páginas. É colocado lá em altíssima cotação. Grammy’s Premium.

“Não me amarra dinheiro, não/ mas os mistérios...”

Estamos no Brasil. A gente cresce e amplia a visão de mundo, o cabedal de cultura. Caindo e levantando, novos caminhos abrem-se, novos pés tocam o mesmo chão e novos olhos iluminam o céu. Pois bem, muita coisa dos versos em música fui perceber anos depois.

O cantor Jofran Frejat declarou imaginar que Caetano conversou com um E. T. quando compôs a bela canção profética “Um Índio”. Poderia ter conversado com o músico e eubiósofo suíço Smeták, radicado em Salvador então, por que não?

Preocupei-me, certa vez, ao não entender o que ele queria dizer na música “José”:

“... o poço é escuro/ mas o EGITO resplandece/ no meu umbigo/ e o sinal que vejo é esse/ de fado certo/ enquanto espero/ só comigo e mal comigo/ no umbigo do deserto”

Um enigma, viagem num futuro desejado. Creio que, feito outros gênios, ele captou uma mensagem dos registros akáshicos, extra-físicos. Foi atingido no chakra coronal por um raio emitido pelo dedo mínimo de Mercúrio. Ou não.

Luis César de Souza, in "Música Muda" 

                                                           (Publicado, originalmente, no Jornal A União, João Pessoa-PB, em 1999).

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