JHS –DEZEMBRO DE 1926
Ei-la que se move, agita
os braços ou corcova diante de mim, como o espectro fatal da morte.
Se acabrunhado pelas grandes tempestades da alma,
sofro e choro, ei-la que se agita a balbuciar palavras incoerentes, como se
fora o meu reflexo diante de um espelho.
Forma nevoenta e sombria, ela parece
ser movida pelas ondas mentais do meu cérebro, imitando todos os meus gestos e
sentimentos.
De vida em vida, ela
me acompanha, como sombra que é de minha própria criação, desde a raça mãe dos
Atlantes, através dos Rmoahal, dos Tlavaltlis, dos Toltecas, dos Turanianos,
dos Semitas, dos Akkadianos, dos Mongóis, passando de raça em raça até chegar
aos nossos dias. À medida que me ergo do lodaçal imundo da matéria, ela vai
perdendo os seus contornos, chegando ao que hoje é:
farrapo humano, sombra fugidia e maldita, reminiscência de um passado funesto e
horrível, embora da grandiosidade
incomparável daquela raça misteriosa.
A primeira vez que a divulguei
nesta vida, era tão horrenda que não a conheci à primeira vista, pensando
tratar-se de uma visão ou delírio febril. Mas... desgraçadamente, era ela,
sempre ela, a minha sombra de todos os tempos!
Penalizado, procurei reanimá-la, como se fora um
escultor que quisesse retocar a sua obra estragada pela mão inexorável do
tempo. Ergui-lhe um altar no santuário do meu lar; tratei-a e zelei-a tal como
se faz com as coisas reais ou valiosas.
Um dia, ela, já possuidora de vida própria,
reconheceu-me e desceu do altar, fugindo do templo... E, desde então, renovou a
sua perseguição de sempre. Fujo dela; porém, ela, embora de movimentos lentos e
viscosos, como uma lesma que se move sobre o solo, está sempre ao meu lado, a
rir estupidamente, já não mais imitando os meus gestos e sentimentos.
Que horrível e flagrante
contraste! Como pode a minha sombra, já não mais imitar, nem obedecer todos os
meus desejos? Será que o “Magno poder do Karma” concedeu lhe o direito de
tornar-se verdugo do seu próprio senhor? Talvez.
Creio que vós, amado leitor, não
a podeis divulgar nas trevas em que ela vive. Mas eu a vejo sempre. Ei-la ali
bem à frente, a mover-se na sua miséria de contornos, como um ser involuído que
é. “Camafeu ridículo, mirrado e morrente, semivivo, meio defunto e meio sombra
de gente”, cético e triste, como se tivera uma mente, arrastando-se cheio de
dores para um túmulo precocemente aberto, pelas suas inconscientes orgias, lá
se vai ela, a minha sombra na sua via crucis maldita, a rir de mim,
estupidamente como se ela tivera o mesmo direito de toda a gente, de saber se
eu sofro ou gozo com as suas parvoíces de invólucro vazio, sombra que se esvai
aos poucos, encolhendo-se para o sarcófago frio da morte.
Fantasma de uma múmia vingadora, lembra-te do
passado; não sou eu a quem procuras, mas a ti mesma, sombra maldita de outrora!
Sonho aterrador, visão macabra! Foge de mim, ante o
ígneo poder que se manifesta, como no passado, quando de mim quiseste fazer
sombra tua.
Que pensareis vós de mim,
leitor amigo, vós que não tendes sombras, senão quando os raios brilhantes do
astro rei desenham no solo a vossa silhueta humana, sombra sim, mas divina
quando souberdes da minha dor perene, por não poder eu aniquilar a minha
sombra, senão quando sombra jamais se fizer no meu caminho?
H. J. Souza
(Plenilúnio)
Diretor-Chefe da Soc. Dhâranâ
Niterói, 31 de Dezembro de 1926
(Transc. De “O Jornal” de 27 de Fevereiro de
1927)
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